O efeito placebo é bem conhecido no mundo da medicina. Estudos e mais estudos foram realizados para comprová-lo das mais variadas formas, algumas bem ousadas: no livro Previsivelmente Irracional, o professor e pesquisador Dan Ariely cita dois casos em que médicos fingiram operar pessoas e demonstraram que os efeitos positivos da operação falsa eram semelhantes aos das pessoas que haviam sido operadas.
O próprio Ariely conduziu pesquisas em que vitamina C era administrada a pessoas como se fosse um medicamento contra a dor. Além de reportar os efeitos positivos do “medicamento”, as pessoas mostravam-se sensíveis não somente às informações que recebiam, mas também ao preço: quanto mais caro, maior o efeito.
De alguma forma, a geração de expectativas – um componente importante do funcionamento do cérebro, conforme mostram as pesquisas de neurociência -, faz com que o corpo termine por resolver o assunto por conta própria, por assim dizer. Este efeito não é muito diverso daquele que nos predispõe a gostar mais de um filme a respeito do qual recebemos informações prévias positivas ou uma refeição com uma bela apresentação.
Geração de expectativas
Conforme outro tipo de pesquisas já demonstrou, a geração de expectativas e a formação de estereótipos – outro componente importante do funcionamento cerebral, economizando energia ao evitar o processamento constante de informações – tem papel relevante na disputa política. A partir do momento em que nos decidimos por uma determinada linha política ou um candidato, tendemos a valorizar informações positivas a seu respeito e a desprezar o que é negativo.
E é por aí que chegamos às fake news. Espalhar desinformação, contrária ou favorável, não é nenhuma novidade em termos de práticas políticas. Na Grécia antiga, por exemplo, Temístocles costumava subornar os sacerdotes do Oráculo de Delfos, cujas palavras tinham grande peso junto à opinião pública. Os romanos habitualmente recorriam a superstições ou fenômenos naturais, como se fossem a voz dos deuses, para influenciar votações ou eleições (além de outros recursos menos sofisticados, como pichações, por exemplo). Na guerra, como já se observou, a verdade costuma ser a primeira vítima.
O tema das notícias falsas ganhou relevância nos últimos anos por causa de sua disseminação nas redes sociais e a dificuldade de “combater” o problema. De certa forma, a forma moderna de espalhar boatos – com textos longos e aparentemente bem construídos, vídeos, gráficos e outros tipos de recurso – parece mais danosa do que as técnicas antigas, baseadas no boca a boca e panfletos apócrifos.
Velha prática em nova roupagem
Na sua forma moderna, as fake news parecem ter se tornado um mecanismo permanente de ação política, com o objetivo de manter a militância ativa no universo virtual. Evidentemente, seria melhor que essa mobilização fosse feita com informações verídicas a respeito de atos e ações governamentais, ou, pela oposição, com questionamentos bem fundamentados, em ambos os casos de acordo com as modernas técnicas de comunicação. No entanto, pelo visto é mais fácil e prático espalhar boatos e informações falsas, com erros de ortografia e gramática, teorias absurdas de conspiração etc.
Assim como o efeito placebo, as fake news obtém resultados a partir de premissas não existentes. Sua eficácia é baseada nas expectativas e preferências pessoais e políticas daqueles que as recebem, e que se sentem a tal ponto satisfeitos com a reafirmação de suas crenças e opiniões que ampliam o alcance da mensagem. Acredita-se porque se quer acreditar, e o fato de ser verdade ou não torna-se irrelevante – assim como a falta de um princípio ativo não impede que o organismo produza os efeitos curativos desejados.
Nos experimentos realizados por Ariely, o efeito placebo não chegou a 100% dos participantes (embora não seja especialista no assunto, acredito que o mesmo ocorra com pesquisas semelhantes). Da mesma forma, precisamos torcer para que as fake news percam eficácia com o passar do tempo até porque, ao contrário dos placebos, sua verdadeira composição pode ser verificada pelo público com mais facilidade.
(Publicado originalmente no LinkedIn em 19 de maio de 2019)
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