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Desvendando o poder dos quietos

  • Foto do escritor: Ricardo R. G. Albuquerque
    Ricardo R. G. Albuquerque
  • 9 de mar. de 2020
  • 3 min de leitura

Atualizado: 14 de mar. de 2020


Asif Akbar/Freeimages

O mundo atual valoriza os extrovertidos. Costumo desconfiar de generalizações (será que isso ocorre somente nos dias atuais ou as pessoas extrovertidas sempre possuíram vantagens comparativas em relação aos demais?), mas, para os efeitos deste texto, vamos concordar que isso seja verdade. Até porque as redes sociais oferecem palcos variados para a autoexpressão e isso é realmente uma novidade social.


Mas fugir desta exposição e ser introvertido seria mesmo um problema? Pelo menos para a autora do livro O Poder dos Quietos, não. Susan Cain, que se descreve como introvertida, atuou durante anos em consultoria de negociações, participando de reuniões e outras atividades que os mais tímidos evitariam. Segundo ela, o mundo atual vive o Ideal da Extroversão, “a crença onipresente de que o ser ideal é gregário, alfa, e sente-se confortável sob a luz dos holofotes”. Trabalhar em equipe e socializar tornaram-se mandatórios no mundo profissional.


Contrastando com isso, a introversão, ainda segundo a autora, “… é, hoje, um traço de personalidade de segunda classe, classificada em algum lugar entre uma decepção e uma patologia”. Mas isso é um exagero. Numa lista rápida, ela menciona conquistas humanas que só foram possíveis através do trabalho de pessoas introvertidas: as teorias da gravidade e da relatividade, google, várias obras literárias e filmes eternos. Ainda assim, muitos introvertidos não conseguem enxergar as próprias qualidades e veem seus traços de personalidade como um problema.


Introvertido não: reativo


Susan Cain mostra que as pesquisas sobre o tema levaram à conclusão de que é a capacidade de reação que torna as pessoas introvertidas ou extrovertidas. Não se trata exatamente de uma novidade: desde o final da década de 80, quando foram lançados estudos a este respeito, o psicólogo norte-americano Jerome Kagan identificou este aspecto da formação da personalidade das crianças. Aquelas que reagiam menos ao ambiente e eram mais calmas e tranquilas tendiam a se tornar extrovertidas, ao passo que as altamente reativas, com o passar dos anos, tornavam-se tímidas e caladas.


Isso ocorre, de acordo com o pesquisador, porque as pessoas altamente reativas mostram uma ativação maior da amígdala, que atua como uma espécie de painel de controle do cérebro: recebe informações dos sentidos e sinaliza como responder. Como é natural, a amígdala é acionada em situações que possam ser consideradas de risco, e, quanto mais excitável for, maiores as oportunidades de que o organismo reaja de forma defensiva. Para evitar que isso ocorra, as pessoas altamente reativas tendem ser mais cautelosas, analíticas e ponderadas.


Como reagem com menos intensidade ao ambiente, os extrovertidos adquirem maior capacidade de atuar (ainda que muitas vezes de forma impulsiva) em situações que envolvam estímulos variados. Nem sempre isso é uma qualidade. Em outra linha de pesquisa citada por Susan Cain, a neurocientista norte-americana Janice Dorn destaca que os extrovertidos são mais suscetíveis a recompensas, enquanto os introvertidos regulam melhor seus sentimentos de desejo e excitação. Isso porque os primeiros tendem a aceitar os estímulos do sistema límbico (do qual faz parte a amígdala) com mais facilidade no que diz respeito às recompensas e à excitação, enquanto os introvertidos seriam mais governados pelo neocórtex, a porção mais nova do cérebro, considerada como sede da racionalidade.


As duas pesquisas fazem sentido: por serem mais reativos, os introvertidos passam a evitar novos estímulos perigosos e desenvolvem mecanismos para reflexão e análise quando se trata de recompensas. Já os extrovertidos, por serem menos reativos, buscam com mais afinco recompensas em termos econômicos, políticos e hedonistas, ao preço da reflexão. Mais do que serem excludentes, as duas características de personalidade são complementares e possuem seus nichos de atuação.


Ninguém é 100%


É preciso lembrar também que ninguém pode ser categorizado de forma conclusiva e exclusiva num de uma forma ou outra. De acordo com as circunstâncias, preferências e educação, para citar apenas algumas variáveis, haverá diferenças de comportamento. Em seu ambiente de trabalho podem ser retraídas, mas, junto a um grupo com interesses semelhantes, com menor pressão, tornam-se mais descontraídas. Da mesma forma, uma pessoa com intensa vida profissional e social pode encontrar refúgio em ambientes caseiros pacatos e silenciosos.


Portanto, conforme Susan Cain destaca ao final do livro, “quem quer que você seja, tenha em mente que as aparências enganam. Algumas pessoas agem como extrovertidos, mas o esforço causa-lhes a energia, a autenticidade e até a saúde física. Outros parecem distantes e reclusos, mas suas paisagens interiores são ricas e cheias de atividades”. Sempre é bom ter em mente que a experiência humana é muito mais complexa do que as palavras criadas por especialistas podem descrever.


(Publicado originalmente no LinkedIn em 15 de abril de 2019)

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