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  • Foto do escritorRicardo R. G. Albuquerque

Coronavírus e solidão: o encontro das duas pandemias


Michael Wu/Freeimages

As medidas de prevenção contra o novo coronavírus, entre as quais a necessidade de isolamento social para evitar a propagação da Covid19, doença causada pelo vírus, trazem à tona outra pandemia: a da solidão. Até o surgimento de vacinas eficientes, evitar o contato é a melhor forma de contágio, tendo em vista a resiliência do coronavírus e, por conta disso, uma série de medidas vem sendo tomadas nesse sentido. Resta saber que efeito terão sobre as pessoas que sentem a falta de companhia como um problema.


De acordo com o IBGE, o número de pessoas que vivem sozinhas no Brasil vem aumentando. O Censo de 2010 registrou que 6,9 milhões de domicílios tinham apenas um morador, ou 12,1% do total recenseado. E a Síntese de Indicadores divulgada no final de 2016 revelou que o número de domicílios com apenas um morador aumentou para 14,6% (dados de 2015), dos quais 63,7% formados por pessoas com mais de 50 anos.


A população de mais idade, justamente a que corre mais riscos com a Covid19, também é a que mais se ressente do isolamento social. Uma pesquisa feita pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) em 2017 revelou que um terço dos entrevistados tinha a solidão como o seu maior medo, seguido de perto pela dependência e contrair doenças graves.


Solidão à inglesa


O Reino Unido preocupa-se com o assunto ao ponto de criar o Ministério da Solidão, em 2018. O relatório que embasou a decisão do governo revela que 9 milhões de britânicos sentiam-se solitários. Grande parte dos entrevistados tinham como maior companhia a televisão e, a partir dos 75 anos, afirmaram que a sensação de solidão estava “fora de controle”. Entre os jovens, 43% dos entrevistados entre 17 e 25 anos (atendidos por um programa social do governo) também relataram que se sentiam sozinhos.


Os prejuízos com questões decorrentes da solidão para os empresários britânicos foram calculados em 2,3 bilhões de libras. Os laços sociais enfraquecidos trariam danos à saúde equivalentes a fumar 15 cigarros por dia. Nos serviços de saúde, admite-se que até cinco atendimentos diários devem-se principalmente à solidão dos pacientes, e não a problemas de saúde específicos.


As recomendações, como também não poderia deixar de ser, baseiam-se no reforço de relacionamentos e da formação de comunidades, a solução lógica num momento de normalidade, mas de implementação complexa na realidade atual. Uma das medidas anunciadas pelo ministério após sua criação, no entanto, seria bastante útil nesse momento: soluções digitais para a conexão entre os britânicos idosos.


Solidão como meio de vida


As quarentenas forçadas e o isolamento social podem nem ser tão estranhas para os norte-americanos, que, a exemplo de outros países, adotam comportamentos solitários. Pesquisas indicam que mais da metade das refeições são consumidas por pessoas sozinhas (entre elas 34% dos jantares). Vale lembrar que cerca de 30% das moradias nos EUA são ocupadas por uma só pessoa.


No Japão, o hikkomori (“isolado em casa”) é um fenômeno que atinge mais de 500 mil pessoas, uma grande parcela das quais está isolada há mais de sete anos. De forma irônica, embora tais pessoas possam estar livres do coronavírus por falta de contato social, encontram-sesujeitas aos problemas causados pelo isolamento, apontado como causa de depressão e vida mais curta, para citar apenas alguns exemplos.


Na Europa, dados da União Europeia de 2006 indicam que 7,2% da população é socialmente isolada, ou seja, não se encontrou com familiares ou amigos nem uma só vez durante um ano inteiro. Dez por cento da população acima de 65 anos define-se como sem amigos ou, se os tem, nunca os encontra. E o risco de isolamento social só aumenta entre os grupos mais pobres: a pesquisa concluiu que a pobreza, por si só, já eleva o risco de isolamento.


Solidariedade em alta


Aqui e ali, no entanto, aparecem sinais de que o encontro das duas pandemias pode representar o início de soluções ou, pelo menos, de formas de se conviver com a questão. A necessidade de isolamento está formando redes de solidariedade para encaminhamento de suprimentos. Governos serão obrigados a repensar políticas de incentivo ao trabalho e ensino remotos, tendo em vista a necessidade de quarentena e suspensão de aulas para evitar a propagação do novo coronavírus.


Incentivar o trabalho e o ensino remotos pode favorecer os mais idosos. Uma startup norueguesa, chamada justamente Noisolation, por exemplo, fabrica um dispositivo, o Komp, que torna a convivência por meio digital mais fácil, já que muitos idosos encontram dificuldade para lidar com smartphones ou tablets. Nos próximos meses provavelmente veremos outros tipos de propostas que podem ajudar a lidar com as duas pandemias, simultaneamente.


(Publicado originalmente no LinkedIn em 15 de março de 2020)

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